Entre investimentos públicos e privados, Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016 devem atrair mais R$ 150 bi em obras
POR LUIZ SÉRGIO GUIMARÃES
Os dois megaeventos esportivos que serão realizados no Brasil nos próximos seis anos – a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016 – apenas conferem caráter de urgência à realização de obras de infraestrutura que, mesmo sem eles, seriam necessárias e inevitáveis. Parte do bloco de países que mais crescem no mundo – composto, além do Brasil, por Rússia, China e Índia, também conhecidos como Bric –, o País tem pressa em corrigir as deficiências nos setores de transportes (sobretudo portos e aeroportos), mobilidade urbana (metrôs, trens, corredores), hotelaria, turismo, telecomunicações, energia e segurança. Como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos são dois compromissos internacionais que não admitem protelação dos investimentos, sob quaisquer pretextos, a cada mês novas obras são incluídas entre os projetos, desatualizando as estimativas de gastos até então formuladas. No início do ano, a expectativa de investimento oscilava entre R$ 60 bilhões e R$ 110 bilhões. Projeções feitas há cerca de seis meses pela Demarest & Almeida Advogados – escritório que conta com um grupo de profissionais especializados na coordenação de projetos para os dois eventos –, de que a realização da Copa de 2014 nas 12 cidades-sede brasileiras iria demandar cerca de R$ 100 bilhões e de que as Olimpíadas aqui em 2016 irão consumir outros R$ 34 bilhões, devem ser revistas para cima em breve, de acordo com o sócio Bruno Drago.
Fontes
De onde virá todo esse dinheiro? Os especialistas divergem sobre qual será a principal fonte dos recursos. Uma porção considerável terá como procedência os cofres públicos, os recursos captados pelo BNDES, Tesouro e Caixa Econômica.
Os financiamentos públicos às arenas esportivas e obras de infraestrutura já estão colocados no papel, à espera de interessados, mas os órgãos públicos podem, além disso, integrar operações privadas de captação de recursos. Segundo o advogado Antonio França Aires, sócio da Demarest & Almeida, a modalidade de financiamento mais adequada para enfrentar as diferentes fases pelas quais atravessam as grandes obras é a montada como project finance. Por meio dela, um grupo de investidores ou firmas constitui uma Empresa de Propósito Específico (EPE), que passa a ser a receptora dos recursos e a principal devedora. Os sócios devem assumir uma fatia importante (mínimo de 25%) do empreendimento sob a forma de capital próprio sujeito a risco.
A partir daí, constitui-se um pla no de negócios de longo prazo, geralmente desenvolvido em duas grandes etapas. A primeira é a da construção do empreendimento. Os capitais são investidos conforme o organograma da obra. Ou seja, o aporte não será integral e feito de uma vez só. Cada fase irá exigir um fluxo de investimento particular e também garantias específicas. E para atender a cada aporte podem ser montadas operações complementares. Do project finance podem participar bancos oficiais capazes de agregar confiabilidade ao negócio – como o BNDES, o Banco Mundial, organismos financeiros multilaterais e agências internacionais de fomento –, enquanto os sócios domésticos podem captar recursos locais por meio da emissão de debêntures e os estrangeiros, pela colocação de bônus no mercado internacional. A segunda grande etapa do empreendimento é a da geração de receita própria, durante a qual serão liberadas as garantias utilizadas na primeira etapa. São liberados os ativos e constituído um fluxo de recebíveis. Como os sócios de uma EPE podem ser tanto construtoras quanto instituições financeiras, fundos de investimentos variados, investidores institucionais (fundos de pensão e seguradoras) e de private equity com regras de saídas previamente especificadas, Aires acredita que não irão faltar nos próximos seis anos os recursos necessários aos investimentos.
As fontes supridoras de capital são muito poderosas e competitivas. Drago acredita que as condições internas permanecerão propícias ao investimento. Os governos assumiram como compromisso de longo prazo a austeridade fiscal, o rigor monetário contra a inflação e a manutenção das regras do jogo.
O principal imponderável ao aporte de longo prazo de capital vem mesmo de fora. Como o cenário de crise econômica se prolonga na Europa, os capitais internacionais podem persistir arredios. E demorar um pouco mais para chegar. “Os nacionais têm de tomar a dianteira. Já há o sentimento de que estamos atrasados. Faltam quatro anos para a Copa no Brasil. As pessoas precisam entender que é um tempo reduzido para o tamanho das obras requeridas”, alerta Aires.
O vice-presidente da Associação Brasileira de Private Equity & Venture Capital (ABVCAP), Luiz Eugênio Figueiredo, ressalta que os dois eventos estão sendo planejados em um momento adequado, quando existe um ambiente regulatório estimulador dos investimentos. “O arcabouço legal é moderno, a legislação minimiza o risco de mudanças e o Brasil mostra condições de sustentar o crescimento. São três fatores capazes de atrair capitais”, diz Figueiredo. No setor de private equity, a prevalência dos fundos dedicados no passado à tecnologia está sendo substituída pelos com foco em infraestrutura.
Casamento
As oportunidades de negócios que estão sendo abertas pelas duas disputas esportivas casam com a ampliação do leque de investimento de investidores institucionais muito relevantes, como os fundos de pensão. Confrontadas com a tendência de longo prazo de queda das taxas de juros reais, as fundações precisam diversificar seu portfólio. E, pelas novas regras, podem destinar até 20% do seu patrimônio líquido, hoje no montante de R$ 450 bilhões, para Fundos de Investimento em Participações (FIPs).
Atualmente, a maioria dos fundos de pensão não direciona mais do que 2% do patrimônio para os FIPs. Mesmo que as fundações não participem diretamente da montagem de uma EPE criada para construir obras de infraestrutura, podem, por meio de fundos específicos, adquirir títulos, debêntures e bônus lançados por essas EPEs. Ou, sendo a empresa aberta, os fundos podem adquirir ações, subscrever bônus ou outros papéis mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações.
A maior parte das obras de infraestrutura destinadas a tornar viável a realização no Brasil da Copa do Mundo de 2014 deverá ser bancada e executada pela iniciativa privada, acredita o economista Amir Khair, especializado em finanças públicas. A exceção são os megaempreendimentos, como a ampliação e modernização dos aeroportos e a construção do Trem de Alta Velocidade (TAV), a interligar as cidades do Rio, São Paulo e Campinas, onde os órgãos públicos terão atuação decisiva, o Estado não tem recursos, expertise e ambiente jurídico adequado para executar as obras.
Na visão de Khair, a Lei 8.666, que trata das licitações feitas pelos órgãos e empresas do setor público, ergueu um cipoal de normas que amarra e inviabiliza a participação do Estado. “Por causa do emaranhado de regras, torna-se mais exequível deixar os empreendimentos a cargo das empresas privadas”, diz Khair. “A melhor maneira de realizar o planejamento é a descentralização via concessões.”
Um dos principais entraves a uma presença mais vigorosa do Estado nos empreendimentos é a fiscalização exercida sobre as decisões do Poder Executivo pelo Legislativo. Para não incorrer em prática que possa ser considerada lesiva aos cofres públicos, o servidor segue procedimentos legais exaustivos que acabam retardando as obras. Por causa disso, a gestão pública não tem a mesma dinâmica e agilidade da fornecida pela iniciativa privada.
Apesar do tamanho intimidador da cifra que precisará ser gasta para o País realizar com sucesso a Copa em 2014 e as Olimpíadas em 2016, o orçamento não será assustador se, na opinião de Khair, o crescimento brasileiro não for abortado quer pelo cenário de crise econômica na Europa, quer por exageros na condução da política monetária. “Se o Brasil continuar crescendo de forma vigorosa nos próximos anos, os capitais privados serão atraídos naturalmente. E, do lado da disponibilidade de recursos públicos para investimento, a própria dinâmica da expansão da atividade amplia fortemente a arrecadação”, diz Khair. Num ambiente de prosperidade eco nô mica e confiança, a gama de fontes dispostas a financiar as obras cresce e se multiplica naturalmente. As empresas nacionais podem recorrer aos empréstimos do BNDES e às operações estruturadas de captação de recursos no mercado de capitais por meio do lançamento de papéis de longo prazo. E as empresas estrangeiras costumam trazer consigo o capital necessário ao empreendimento, não disputando recursos internos.
Reais, dólares, libras, euros e yuans O foco é o Rio de Janeiro, cidade que deve receber os maiores investimentos em hotéis, tecnologia e serviços. Mas, por todo o País, empresas privadas nacionais e estrangeiras preparam-se para aplicar recursos em novos projetos para atender à demanda de visitantes – e às exigências da Fifa e do Comitê Olímpico – nos próximos seis anos. As americanas IBM, GE e Hilton, as incorporadoras espanhola Inverrio Mallorca e portuguesa Temple, a Coca-Cola Brasil (que até 2014 vai aplicar R$ 11 bilhões), Oi e Embratel são algumas delas. A Votorantim Cimentos (VC), por exemplo, anunciou recentemente um pacote de investimentos para instalar oito novas fábricas, no valor de R$ 2,5 bilhões, até 2013. Três delas ficarão no Nordeste (Maranhão, Ceará e Bahia), duas no Centro-Oeste (Mato Grosso e Goiás), duas no Norte (Pará) e uma no Sul (Paraná). Parte dos recursos vem do BNDES. Ao fim desse período, a VC ficará com 35 fábricas, com capacidade para 42 milhões de toneladas. Para este ano, a empresa prevê produzir 24 milhões de toneladas, 10% a mais do que no ano passado. Desde o final do ano, representantes dos governos alemão, chinês e britânico têm anunciado intenção de suas empresas em participar desse boom de investimentos em infraestrutura no Brasil. A Siemens, por exemplo, está interessada em ampliação de estádios, sistema de transportes e equipamentos de segurança. Recentemente, o ministro das relações exteriores da Alemanha declarou, em visita ao Brasil, que grandes empresas alemãs estão na ponta em relação ao desenvolvimento de infraestrutura sustentável, conhecimento que poderá ser transferido para o Brasil ao se estabelecerem parcerias entre os dois países. Já a agência de investimentos do Reino Unido fez um levantamento sobre oportunidades de investimentos em 80 projetos no Brasil relacionados com a Copa do Mundo e as Olimpíadas. O governo britânico estima que estarão em jogo no Brasil contratos de até US$ 47 bilhões em sete anos. Para os ingleses, os negócios gerados na organização de jogos podem gerar ganhos comerciais importantes. A construtora que renovou o estádio de Wembley é uma das que já procuraram a prefeitura do Rio para saber como participar da licitação para a modernização do Maracanã, projeto que consumirá cerca de R$ 450 milhões. Outro filão que os ingleses estão de olho é a expansão e modernização de aeroportos, onde devem ser investidos outros US$ 2 bilhões. Outro setor de interesse é o de transporte urbano e rodovias – mais US$ 14 bilhões. Durante o evento Doing Business in Brazil, realizado em Londres, no dia 4 de junho, organizado pela Apex-Brasil, em parceria com o Financial Times, apresentou a mais de 130 investidores do Reino Unido no Brasil benefícios da diversificação dos investimentos em setores não tradicionais como semicondutores e private equity & venture capital. O responsável pelo escritório do BNDES em Londres, Jaime Gornsztein, destacou alguns dos setores mais atraentes no Brasil: infraestrutura, geração de energia, transportes e petróleo e gás. “São setores que estão em franco crescimento e requerem investimento e tecnologia. Empresários chineses também já manifestaram interesse em participar das obras de infraestrutura da Copa do Mundo de Futebol de 2014 e das Olimpíadas de 2016, principalmente na área de energia. Até o setor financeiro tem apostado suas fichas na realização desses eventos para crescer. A lógica é simples: com o aumento dos investimentos em obras de infraestrutura, melhora o nível de emprego e renda, permitindo, em |
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