27/07 - Com os investimentos públicos em infraestrutura travados e a reação tímida do setor privado aos incentivos já adotados pelo governo ao longo do primeiro semestre, ganha força entre analistas do mercado financeiro a tese de que o governo Dilma Rousseff deve decidir pelo cumprimento de um superávit primário inferior à meta de 3,1% do Produto Interno Bruto (PIB) para continuar a estimular a economia com novas desonerações, como a do setor de energia.
As desonerações devem gerar um impacto negativo na arrecadação, cuja expansão já perdeu ritmo em junho e, consequentemente, reduzir a receita disponível para cumprir a meta de economia para pagamento de juros da dívida pública. A estratégia do governo seria aquecer a economia mais rapidamente pelo lado da desoneração para ampliar a competitividade da produção, enquanto os investimentos públicos e privados não maturam e os efeitos da taxa de juros menor e dólar mais alto não empolgam os investidores privados a investir.
Economistas ouvidos pela Agência Estado avaliam que esse possível movimento do governo é justificável e aceitável para o mercado, tendo em vista a incerteza externa gerada pela crise internacional e as dificuldades competitivas para a produção. A ressalva é que para seguir com as desonerações, o governo teria que se comprometer com a meta cheia de superávit primário nos próximos anos mesmo com se desonerações se tornem permanentes. Isso exigiria mais rigor nos gastos púlicos, especialmente com a folha de pagamento dos servidores.
"Eu entendo a posição do governo", diz o economista do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Samuel Pessoa. Na visão dele, não há uma grande expectativa no mercado financeiro de que a meta fiscal seja cumprida, especialmente por conta da "tranquilidade" que vem sendo demonstrada pelo Banco Central e pela equipe econômica em relação à inflação. Sem a pressão de riscos pelo lado dos preços, o governo se sente mais tranquilo para incentivar o setor produtivo abrindo mão de receitas com arrecadação. "Acho que o governo pode entregar um superávit primário de 2,6% (do PIB) sem incorrer em riscos de confiança sobre sua solvência", afirma Pessoa.
Mesmo reiterando frequentemente que está comprometido com a meta cheia (que não prevê abatimento com investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento - PAC), a análise de muitos economistas é de que o governo já trabalha com a hipótese de um superávit menor em 2012. "O governo vai continuar com o processo de desonerações, com pílulas como vem fazendo, e pode chegar a sacrificar a meta fiscal com tranquilidade", avalia o mestre em finanças públicas, Amir Khair, que prevê um anúncio de superávit menor após outubro. "Só depois das eleições", complementa.
Hoje a ministra do Planejamento, Miriam Belchior, afirmou que não há previsão de alterar as regras para cálculo do superávit primário e nem de alterar a meta deste ano, que deve ser cumprida com o valor cheio, de R$ 139,9 bilhões. Ao mesmo tempo, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, avisou nesta quinta-feira que o governo fará uma "revolução na área de energia elétrica", com a eliminação de encargos setoriais que incidem sobre tarifas, o que inclui a CCC (Conta de Consumo de Combustíveis), RGR (Reserva Global de Reversão) e CDE (Conta de Desenvolvimento Energético) e, provavelmente, o Proinfa (Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica), o que vai reduzir o caixa do governo.
Risco de ser perdulário
Segundo os economistas consultados, o mercado entende que com serenidade um resultado fiscal menor neste ano desde que o corte não seja drástico e nem o governo, "perdulário". "Nós trabalhamos com um superávit entre 2,6% e 2,7% neste ano", diz o economista da MCM consultores especializado em política fiscal, Marcos da Costa Fantinatti. Na visão dele, esse patamar seria aceitável diante das circunstâncias de desaceleração econômica, mas o governo teria que continuar sendo bastante duro nas negociações salariais do funcionalismo público, para evitar o comprometimento futuro com gastos permanentes. "Um aumento de gastos obrigatórios descontrolados associado a uma política de desoneração seria uma dinâmica perigosa", conclui.
O economista-chefe de um banco estrangeiro de investimentos que preferiu não se identificar concorda que o ideal neste momento é aplicar uma desoneração de caráter permanente com uma redução temporária da meta fiscal. "A experiência dos últimos anos sugere que aumento de investimento é algo que toma muito tempo e dificilmente o governo conseguiria reduzir o primário por aceleração de investimento", explica, reforçando que seria melhor desonerar sem alterar o superávit, mas isso não está em questão neste ano e a redução de impostos é "sempre positiva", especialmente no setor de energia.
E se houver uma resposta rápida do setor produtivo a essa estragégia, com aceleração da atividade, a recomposição da receita com arrecadação tende a ser rápida, a partir do primeiro trimestre de 2013. "A arrecadação está colada ao ritmo de crescimento da economia. Se o PIB crescer 2%, a arrecadação deve crescer abaixo disso. Foi o que aconteceu em 2003 e 2009, quando houve um cenário de estagnação e até retrocesso", lembra Khair. Assim se houver recuperação no terceiro e no quarto trimestres, a arrecadação pode encerrar 2012 em níveis aceitáveis.
Fonte: Agência Estado / por Estadão
Escrito por: Bianca Ribeiro
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