Empresa Individual de Responsabilidade Limitada (EIRELI): características, aspectos controvertidos e lacunas legais



A Lei nº 12.441/2011 promoveu mudanças no Código Civil para criar a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), espécie de pessoa jurídica formada por apenas uma pessoa.
A Lei nº 12.441/2011, publicada no dia 12 de julho, e com entrada em vigor no dia 09 de janeiro de 2012 (após a vacatio legis de 180 dias), promoveu mudanças no Código Civil para criar a empresa individual de responsabilidade limitada (EIRELI), espécie de pessoa jurídica formada por apenas uma pessoa.
Três artigos do Código Civil foram modificados ou criados pela Lei nº 12.441: a) o art. 44 teve adicionado um inciso VI, com a inclusão da empresa individual de responsabilidade limitada como espécie do gênero das pessoas jurídicas de direito privado; b) acrescentou-se o art. 980-A, que regulamenta a EIRELI; c) e foi alterado o parágrafo único do art. 1.033, para estabelecer exceção à dissolução da sociedade em virtude da falta da pluralidade de sócios, quando o sócio remanescente transformar a sociedade para empresário individual ou empresa individual de responsabilidade limitada.
O art. 980-A do Código Civil dispõe que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por uma única pessoa titular da totalidade do capital social, devidamente integralizado, que não será inferior a 100 (cem) vezes o maior salário-mínimo vigente no País”.
Este artigo aborda, em dez itens, as características da EIRELI, algumas questões controversas e as lacunas legais.

1. Requisitos

A EIRELI deve observar as normas gerais que tratam das sociedades empresárias (arts. 966/1.195, CC), além dos quatro requisitos específicos estabelecidos pelo novo art. 980-A do Código Civil: a) possui apenas um sócio, que detém a totalidade do capital social; b) o capital social deve ser integralizado na instituição da empresa e no montante equivalente a pelo menos 100 salários mínimos; c) a utilização da expressão “EIRELI” no nome empresarial, ao final da firma ou da denominação social (para diferenciá-la das demais empresas); d) a limitação à participação de cada pessoa em apenas uma empresa individual de responsabilidade limitada, ou seja, quem for sócio de uma EIRELI pode ter outras empresas individuais ou ser sócio em empresas de outras espécies, mas não de mais uma EIRELI.

2. Pessoa Natural ou Jurídica?

Pela ausência de limitação legal expressa (a norma permite “uma única pessoa titular”), há controvérsia sobre a limitação a pessoas naturais como únicas sócias ou a permissão para que a EIRELI seja formada por pessoa natural ou jurídica.
Por um lado, entende-se que a interpretação sistemática leva à conclusão de que apenas pessoa natural pode ser sócia porque a EIRELI está prevista no Título I-A do Livro II da Parte Especial do Código Civil, após a regulamentação do empresário individual (Título I) e antes das regras que tratam da sociedade empresária (Título II); de outro lado se afirma que, se não há restrição, qualquer pessoa pode ser sócia de EIRELI, desde que observados os demais requisitos.
O Departamento Nacional de Registro de Comércio (DNRC), órgão do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC) e também o órgão central do Sistema Nacional de Registro do Comércio, regulamentou a questão em sua Instrução Normativa nº 117/2011. Essa IN institui o Manual de Atos de Registro de Empresa Individual de Responsabilidade Limitada, que deve ser observado pelas Juntas Comerciais nos Estados, e prevê que apenas as pessoas naturais podem ser sócias de EIRELI (por exemplo, em seus itens 1.1, 1.2.3.1, 1.2.6, 1.2.10 e o item 1.2.11, segundo o qual “não pode ser titular de EIRELI a pessoa jurídica, bem assim a pessoa natural impedida por norma constitucional ou por lei especial”).
Acrescenta-se aos argumentos que defendem a limitação que, apesar de o caput ser omisso, o § 2º e o vetado § 4º do art. 980-A do Código Civil fazem menção apenas às pessoas naturais como sócias de EIRELI. A redação original do texto do caput do dispositivo (originariamente art. 985-A), inserida no PL nº 4605/2009, da Câmara dos Deputados, previa que “a empresa individual de responsabilidade limitada será constituída por um único sócio, pessoa natural, (...)”, mas posteriormente foi alterada, sem justificativa expressa para a exclusão dessa última expressão.
Portanto, a proposta legislativa visava beneficiar apenas as pessoas naturais, que são mencionadas no § 2º do art. 980-A, tendo em vista o veto ao § 4º e a mudança injustificada da redação do caput durante a tramitação no Congresso Nacional. Essa omissão já causa polêmica e produzirá demandas judiciais sobre o direito – ou não – de as pessoas jurídicas serem a única sócia da EIRELI.
Apesar de ser uma pessoa jurídica, a EIRELI não é uma sociedade empresária, mas sim uma forma diferenciada de constituição de empresário individual (que, ao contrário daquela, é pessoa natural).
Consequentemente, caso se considere que apenas as pessoas naturais podem constituí-la, no direito brasileiro a única forma de sociedade unipessoal continua sendo a subsidiária integral, de acordo com o art. 251 da Lei nº 6.404/76 (Lei das S/A), a menos que se admita que a EIRELI seja formada por uma pessoa jurídica. Nesse caso, a EIRELI pode ser tanto um empresário individual (se o seu único sócio for pessoa natural) quanto uma sociedade empresária unipessoal (se composta por uma pessoa jurídica).

3. Responsabilidade do Sócio

O objetivo principal de se admitir a criação de uma empresa integrada por apenas uma pessoa é o de evitar as fraudes realizadas na constituição de sociedades (inclusão de familiares ou “laranjas”, com percentual simbólico do capital social, para na prática a atividade ser exercida por somente um sócio), ao limitar a responsabilidade do sócio ao capital social, distinto e separado do seu patrimônio pessoal.
Ao contrário do empresário individual, o sócio único da EIRELI só pode ser responsabilizado até o limite do capital de sua empresa, ou seja, o capital das pessoas natural e jurídica não se confundem.
Como dito anteriormente, foi vetado o § 4º do art. 980-A, o qual previa que apenas o patrimônio social da empresa responde pelas dívidas da EIRELI, não se confundindo em qualquer situação com o patrimônio da pessoa natural que a constituir. O veto baseou-se no afastamento de exceções para a afetação do patrimônio do sócio, o que contraria a possibilidade de desconsideração da pessoa jurídica; conforme suas razões: “Não obstante o mérito da proposta, o dispositivo traz a expressão 'em qualquer situação', que pode gerar divergências quanto à aplicação das hipóteses gerais de desconsideração da personalidade jurídica, previstas no art. 50 do Código Civil. Assim, e por força do § 6º do projeto de lei, aplicar-se-á à EIRELI as regras da sociedade limitada, inclusive quanto à separação do patrimônio”.

4. Capital Social

A equivalência do capital social aos 100 salários mínimos deve considerar o valor vigente na data da integralização, sem necessidade de modificação posterior a cada reajuste do segundo. Por exemplo, no ano de 2012 o salário mínimo é de R$ 622,00, o que corresponde a um capital social de no mínimo R$ 62.200,00. Caso seja integralizado nesse total quando da constituição de uma EIRELI em 2012, não haverá necessidade de aumentar o capital social a cada reajuste do salário mínimo.
Pode o sócio instituir EIRELI com capital social equivalente a 150 salários mínimos e integralizar inicialmente apenas o valor que corresponder aos 100 salários mínimos?
Não, tendo em vista que o caput do art. 980-A não exige uma integralização mínima de 100 salários mínimos, mas sim um capital social de pelo menos 100 salários mínimos e a integralização inicial de todo o capital social.

5. Nome Empresarial

Sobre o terceiro requisito específico citado, relembra-se que o nome empresarial é o elemento identificador do empresário ou da sociedade empresária (arts. 1.155/1.168 do Código Civil), e divide-se em firma e denominação: a firma contém o nome do empresário ou dos sócios da sociedade (“firma social” ou “razão social”), enquanto a denominação é composta pelo nome empresarial (de modo facultativo) e por expressão que indique o objeto social.
Exemplificando, uma empresa individual de responsabilidade limitada pode ter o nome empresarial de “Chicó Bramais EIRELI” (firma) ou de “Chicó Bramais Alimentos EIRELI” (denominação).

6. Sociedade em mais de uma EIRELI

A restrição de participação em apenas uma EIRELI também é controversa em virtude das lacunas legais: o § 2º do art. 980-A do Código Civil prevê que a pessoa natural que constituir empresa individual de responsabilidade limitada somente poderá figurar em uma única empresa dessa modalidade.
Portanto, caso se admita que pessoas jurídicas sejam sócias de EIRELI, não incidirá sobre elas essa limitação, que abrange apenas as pessoas naturais.

7. Criação Originária e Derivada da EIRELI

O § 3º do art. 980-A preceitua que “a empresa individual de responsabilidade limitada também poderá resultar da concentração das quotas de outra modalidade societária num único sócio, independentemente das razões que motivaram tal concentração”.
Logo, a EIRELI pode ser formada: a) por vontade de seu único sócio; b) ou em virtude de fato imprevisto ou alheio sobre uma sociedade empresária, como, por exemplo, o falecimento de um dos dois sócios ou a aquisição da totalidade do capital por um sócio, não havendo mais a necessidade de regularização pelo ingresso de um novo sócio, sob pena de liquidação da pessoa jurídica.
Nessas situações é possível efetuar a transformação, consistente na mudança do tipo social da empresa, ou seja, constitui-se nova sociedade sem a dissolução da anterior e sem prejuízo do direito de eventuais credores (arts. 1.113/1.115 do Código Civil).
Conforme mencionado no início, o parágrafo único do art. 1.033 do Código Civil traz uma exceção à dissolução da sociedade em virtude da falta da pluralidade de sócios, quando o sócio remanescente transformar a sociedade para empresário individual ou empresa individual de responsabilidade limitada.
Porém, essa transformação deve ser efetivada no prazo de 180 dias a partir do momento em que a sociedade passar a ter apenas um sócio, sob pena de sua dissolução (art. 1.033, IV, do Código Civil).
A Instrução Normativa nº 118/2011 do Departamento Nacional de Registro de Comércio regulamenta especificamente a transformação de empresário individual em EIRELI e vice-versa.
Destaca-se ainda que o § 3º do art. 980-A também possui redação falha, ao utilizar a expressão “(...) concentração das quotas de outra modalidade societária”. A interpretação literal do dispositivo leva à conclusão de que apenas as sociedades formadas por quotas podem ser transformadas em EIRELI, excluídas as sociedades por ações (o que também causará divergências).

8. Prestação de Serviços

A Lei nº 12.441/2011 tem mais uma impropriedade: o § 5º do art. 980-A do Código Civil prevê que a EIRELI pode ser criada para “a prestação de serviços de qualquer natureza”.
A interpretação literal do dispositivo pode levar a conclusão de que, por exemplo, um advogado ou um médico tem a opção entre constituir uma sociedade simples (ou seja, não empresária) ou uma EIRELI. Entretanto, não deve ser esquecida a redação do parágrafo único do art. 966 do Código Civil: “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. Logo, a empresa individual de responsabilidade limitada não pode ter como objeto qualquer espécie de prestação de serviços, mas apenas aquelas que se enquadrarem como atividades econômicas organizadas para a produção ou a circulação de bens ou de serviços, não incluídas nas citadas exceções.
Ainda, o § 5º do art. 980-A dispõe que a EIRELI pode receber remuneração pela cessão de direitos patrimoniais de autor ou de imagem, nome, marca ou voz, desde que esses direitos estejam vinculados à atividade profissional de seu titular.
Há quem interprete o § 5º do art. 980-A no sentido de ser uma autorização para que uma pessoa natural que desenvolva atividade não abrangida pelo conceito de empresário do art. 966 possa (como alternativa ao labor na condição de pessoa natural ou sociedade simples) constituir a EIRELI, prestar seus serviços e remunerar a empresa como cessionária.
Entretanto, a redação do dispositivo limita-se a mencionar a cessão de direitos autorais, uso da voz, do nome ou de marca (direito da propriedade industrial), ou seja, não compreende a prestação de serviços (mesmo que apenas intelectuais) pela pessoa natural.
Destaca-se, por outro lado, que o referido § 5º, ao autorizar pessoas naturais a criar empresas individuais de responsabilidade limitada, com o intuito principal (ou exclusivo) de ceder direitos individuais à pessoa jurídica para se submeter a uma menor carga tributária, corresponde a uma expressa permissão legal para a elisão fiscal.

9. Aplicação Subsidiária de Normas

O § 6º do art. 980-A do Código Civil dispõe que “aplicam-se à empresa individual de responsabilidade limitada, no que couber, as regras previstas para as sociedades limitadas”.
Recorda-se que a aplicação subsidiária de outra norma somente é possível em face da existência de lacuna ou omissão, ou seja, na ausência de norma que trate da situação. Como a regulamentação da EIRELI é incompleta, por trazer regras escassas e genéricas, depende de complementação.
Como consequência lógica de ser uma empresa individual de responsabilidade limitada, as lacunas existentes nas normas gerais do art. 980-A do Código Civil são supridas pelos arts. 1.052/1.087, também do Código Civil, que regulamentam as sociedades de responsabilidade limitada.
De outro lado, como visto, a EIRELI não é uma sociedade empresária, mas sim uma forma diferenciada de constituição de empresário individual (que, ao contrário daquela, é pessoa natural). Logo, a fim de evitar discussões acerca do preenchimento de lacunas, o § 6º do art. 980-A define quais são as normas aplicáveis subsidiariamente.

10. Regime Tributário

Por fim, ressalta-se que a EIRELI, como uma espécie de empresa (empresário individual ou sociedade empresária, dependendo da concepção adotada e de seu sócio único), também pode se beneficiar do SIMPLES, regime tributário das microempresas (ME) e das empresas de pequeno porte (EPP), desde que se enquadre como uma delas. Não se tratam de modalidades de sociedades empresárias, mas sim de classificação para fins tributários. Lembra-se que é microempresa aquela que tenha auferido, no ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), e empresa de pequeno porte aquela que tenha obtido, no ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais) (art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006).
Há vedação apenas para o enquadramento na modalidade de microempreendedor individual (MEI), que só pode ser empresário individual (art. 18-A, § 1º, da LC nº 123/2006).
A Lei Complementar nº 139/2011 modificou o art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 (Estatuto Nacional da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte) para possibilitar expressamente esse enquadramento: “Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que (...)”.
Logo, no exemplo dado acima, a firma da empresa individual pode ser Chicó Bramais EIRELI ME ou Chicó Bramais EIRELI EPP, e sua denominação Chicó Bramais Alimentos EIRELI ME ou Chicó Bramais Alimentos EIRELI EPP. Nesse sentido, o parágrafo único do art. 17 da Instrução Normativa nº 118/2011 do Departamento Nacional de Registro de Comércio dispõe que “no caso mencionado no caput, a expressão ‘ME’ ou ‘EPP’ será aditada ao nome empresarial escolhido”. Lembra-se ainda que a denominação da microempresa e da empresa de pequeno porte dispensa a inclusão do objeto da empresa na denominação, conforme prevê o art. 72 da Lei Complementar nº 123/2006.
Acrescenta-se que, conforme prevê o art. 17, XII, da Lei Complementar nº 123/2006, é excluída do SIMPLES Nacional a empresa que realizar cessão ou locação de mão-de-obra. Por essa razão, o § 5º do art. 980-A do Código Civil permite que sejam cedidos à EIRELI determinados direitos vinculados à atividade profissional de seu titular, o que não abrange o inverso, ou seja, a prestação de serviços pelo sócio como pessoa natural com a posterior cessão dos direitos para a empresa individual. O inciso XI do art. 17 da LC nº 123/2006 igualmente afasta desse regime tributário diferenciado a empresa que tenha como objeto a prestação de serviços decorrentes do exercício de atividade intelectual, de natureza técnica, científica, desportiva, artística ou cultural (com profissão regulamentada ou não), bem como a que preste serviços de instrutor, de corretor, de despachante ou de qualquer tipo de intermediação de negócios. Portanto, nessas situações (e nas demais hipóteses legais), mesmo que observe o requisito da receita bruta a empresa individual não terá direito a essa sistemática diferenciada.
Além do enquadramento no SIMPLES, a EIRELI pode optar por outros dois regimes tributários: lucro real, previsto no art. 246 e seguintes do Regulamento do Imposto de Renda (RIR – Decreto nº 3.000/99), ou o lucro presumido, de acordo com as regras do art.  516 e seguintes do RIR


Fonte: JUS

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