IFRS para todos

07/04/2010
Valor Econômico

Por Fernando Torres, de São Paulo

Embora a maioria dos envolvidos ainda não tenha se dado conta, todas as empresas brasileiras terão que seguir, a partir deste ano, o novo padrão contábil vigente no país, que acompanha as normas internacionais chamadas de IFRS. Dentro do termo "todas" estão incluídas não apenas as grandes companhias com ações listadas na bolsa paulista, mas também as pequenas e médias empresas de capital fechado, que de acordo com o Código Civil são obrigadas a levantar balanço todos os anos.

O problema é que muitas vezes a legislação anda mais rápido que a realidade. Segundo o diretor da Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade (Anefac), Charles Holland, os 417 mil contadores do país, os 150 mil estudantes de contabilidade e os 72 mil gerentes de contas dos bancos ainda não estão familiarizados com as novas normas de contabilidade. E o principal: a maioria dos 5 milhões de empresários que serão obrigados a usar o novo padrão nos seus negócios não faz a menor ideia do que seja IFRS nem nunca viu o balanço da sua própria empresa.

"Será uma mudança tão grande ou maior do que para as grandes companhias, porque essas últimas têm área financeira própria, enquanto nas pequenas a contabilidade costuma ser terceirizada", afirma Maria Helena Pettersson, sócia da área de auditoria da Ernst & Young.
O que se pode dizer diante dessa situação é que pelo menos três coisas devem ocorrer.

A primeira é que, mesmo com a obrigatoriedade a partir do exercício de 2010, a adesão ao novo padrão será feita aos poucos e não atingirá tão cedo boa parte das companhias, já que não haverá mecanismo automático de fiscalização.

A segunda é que os contadores vão querer cobrar mais caro pelo serviço que prestam atualmente, já que o trabalho tomará mais horas e ficará mais sofisticado.

A terceira e recompensadora consequência será uma melhora na gestão das empresas brasileiras de menor porte, que passarão a ter informações mais consistentes sobre seu desempenho.

A obrigação de todas as empresas seguirem o IFRS ocorre de forma indireta. Isso porque o Conselho Federal de Contabilidade (CFC) adotou os pronunciamentos emitidos nos últimos dois anos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC) e que tiveram como base a norma internacional.

A adoção pelo CFC torna obrigatória a regra para todos os contadores do país.

No caso das pequenas e médias, não será necessário seguir a versão completa do IFRS, que tem mais de 2,5 mil páginas. O CPC traduziu, ainda em dezembro passado, um pronunciamento específico do Conselho de Normas Internacionais de Contabilidade (Iasb, na sigla em inglês) para as empresas de menor porte, que tem 225 páginas.

Apesar de mais enxuto, esse pronunciamento simplificado exigirá, por exemplo, a marcação a mercado de instrumentos financeiros para as empresas que possuam aplicações. Haverá também necessidade de constituição de provisão para devedores duvidosos, estoques que estejam parados e passivos trabalhistas.

Segundo Maria Helena, da E&Y, esse tipo de provisão não era feita até então porque as empresas seguiam apenas as regras ficais para fazer o balanço. "Como essas provisões não são dedutíveis, ninguém fazia", afirma.

Segundo Nelson Zafra, coordenador do grupo de estudos de IFRS para pequenas e médias empresas do CFC, a grande novidade do novo padrão é justamente a separação da contabilidade da questão tributária. De acordo com ele, o Brasil tem um tradição muito legalista, em que o Fisco interfere muito na contabilidade. "Estamos vivendo um período de transição e na nova contabilidade a essência vai prevalecer sobre a forma", afirma Zafra.

O dirigente do CFC admite que "ainda vai levar um tempo" para que todos entendam que as novas regras contábeis valem para todas as empresas. "No primeiro ano deve ter mais problemas. Mas a lei vale para todo mundo e a regra é para valer", diz Zafra, que diz que os 27 conselhos regionais de contabilidade devem oferecer cursos para adaptação dos profissionais.

Os contadores que não seguirem as normas poderão perder o registro profissional. "Não vai haver abrandamento de pena", avisa o representante do CFC.

A dúvida sobre a aplicação da nova norma também passa pela questão de custo, uma vez que os contadores podem deixar os clientes contrariados ao tentar elevar o preço cobrado pelo serviço sob o argumento do IFRS.

"Não tenho dúvida de que vai haver aumento de custo. Não deixa de ser uma oportunidade para o contador ser mais valorizado", diz Zafra, que pondera, no entanto, que a diferença vai depender da empresa e da relação comercial. "Tem casos de maior ou menor complexidade", afirma o dirigente do CFC, argumentando que a questão dos instrumentos financeiros é a mais trabalhosa.

Já para José de Arimatea Dantas, consultor financeiro do Sebrae-SP, a nova exigência "não deve trazer muito mais custo". "O ambiente é de livre mercado. E aí entra não só a qualidade, como também o preço", afirma ele.

O consultor lembra ainda que a realidade das micro e pequenas empresas está muito distante da nova exigência. "É lógico que está errado, porque o Código Civil manda fazer, mas muita pequena empresa nem faz balanço. Quando ela precisa, porque vai pedir um empréstimo no banco, por exemplo, o contador vai e faz", diz.

De acordo com Arimatea, nas pequenas empresas a prática de se fazer o balanço acaba servindo apenas para se apurar o lucro para distribuição do resultado entre os sócios. Sem essa peça contábil, a empresa só poderia distribuir o lucro conforme a margem prevista na legislação fiscal.

Fonte: http://www.cfc.org.br/

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